9 de dezembro de 2007

O CONCEITO DE "LABEL"

Existem diferentes teorias que explicam o comportamento desviante através de factores biológicos, psíquicos, ou no contexto sócio cultural. Mas a teoria da rotulagem (labellling theory), dá uma outra explicação para o processo desviante, onde o núcleo explicativo deve ser encontrado não nesses factores, mas nas normas que definem dado comportamento como desviante.
É uma das teorias mais importantes para entender os problemas da delinquência, e tem como principal sociólogo associado Howard Becker. Para o autor nenhum comportamento é desviante, mas torna-se desviante a partir do momento, em que ele é assim definido.
Da análise do desvio, emergem as relações do poder na sociedade, e é esta que tem o poder de impor a definição de uma norma rotulando de Outsiders quem não se ajusta.
Becker no seu livro Outsiders, fala-nos na teoria da etiquetagem, explicando que o desvio, tem sempre por detrás um processo de interacção, é um comportamento socialmente marcado, tem a ver com a natureza do comportamento do actor e em parte com o que os outros fazem. O autor tentou demonstrar como as entidades desviantes são produto da rotulagem e não de motivações ou comportamentos desviantes. Para o autor “(…) comportamento desviante é aquele que as pessoas rotulam como desviante” (GIDDENS 2004, P. 212).
Ou seja, segundo Becker, para que um comportamento seja rotulado de desviante, “(…) é necessário que alguém tenha instaurado a norma que define o acto de desviante” (MOORE, 2002, p.180). A questão central, passa pela forma como as pessoas que actuam produzem a acção e a denuncia. E o autor continua referindo que os “(…) grupos sociais criam o desvio ao fazer as regras cuja infracção constitui desvio e ao aplicar essas regras a pessoas particulares e rotula-las como marginais e desviantes. (…) o desvio não é uma qualidade do acto que a pessoa comete, mas uma consequência da aplicação por outras pessoas de regras e sanções a uma “transgressão” (BECKER, 1971, p.60).
Tenta compreender porque é que determinados comportamentos, são considerados desviantes, e como a aplicação do conceito desvio, varia conforme o contexto, no interior da mesma sociedade, rotulam o desvio não como sendo “(…) um conjunto de características de um indivíduo ou grupos, mas como um processo de interacção entre eles que se desviam e os que não o fazem” GIDDENS, 2004, p. 212 ).
Para o autor, existem dois tipos de «empreendedores da moral», aqueles que criam as normas, e os que as fazem aplicar. Os criadores das normas, são os que pretendem mudança e reforma de costumes, por considerarem as leis existentes não satisfatórias. Neste tipo de pessoas, podemos colocar por exemplo, os movimentos anti alcoolismo, e do outro lado o corpo policial para as fazer cumprir.
A teoria da etiquetagem atribui assim, um papel importante à forma como a sociedade designa os indivíduos, Becker recusa-se a aceitar que pelo facto de se ter sido rotulado como ladrão tenha de andar armado a atacar pessoas, ou seja parte do pressuposto de que a teoria da rotulagem não é causal.
No entanto, a sua abordagem permite destacar consequências, às pessoas a quem é atribuída a etiquetagem de desviante, pois o julgamento dos outros vai tornar o seu quotidiano difícil, a ponto de ser difícil arranjar emprego quando se é etiquetado de ladrão.
Podemos assim dizer, que o desvio existe relativamente a uma norma, mas para Becker é mais do que isso. “ O desvio não é uma qualidade do acto que a pessoa comete mas sim uma consequência da aplicação, por parte dos outros, de regras e sanções a um «ofensor». O comportamento desviante é o comportamento que as pessoas rotulam como tal”( MOORE, 2002, p. 251)
Estes “Empreendedores da moral” são os actores decisivos na implantação de leis/normas, juntam-se com apoios de peritos e de cientistas, para lutar em campanhas como por exemplo, a interrupção voluntária da gravidez, o consumo de drogas ou de alcoolismo. “ As pessoas que representam a força da lei e da ordem, ou que são capazes de impor definições de moralidade convencional a outros, constituem os principais agentes de rotulagem” (GIDDENS, 2004, p. 212.). Quando a campanha leva a promulgação de uma nova lei, é aí que o sucesso deles é atingido.
Com a promulgação de uma lei, os indivíduos já podem ser socialmente rotulados como desviantes. “ A partir deste momento, os seus comportamentos, desviantes ou não, serão sistematicamente interpretados em função dessa rotulagem.”( CAMPENHOUDT, 2001, p. 86.)
Vejamos o exemplo de um jovem “toxicodependente” que tem um conflito familiar, é logo rotulado de que esse comportamento conflituoso é devido ao facto de ser toxicodepente. Uma vez rotulado de toxicodependente é muito difícil retirar esse rótulo, ele trás a proveniência do sujeito em causa.
O facto de alguém respeitável cometer um pequeno roubo, nada acontecerá, mas se a origem desse jovem, for de classe baixa, que vive num bairro sem condições, ou que por exemplo seja negro, o seu acto será considerado como a confirmação de uma tendência para delinquência.
Em contrapartida se o mesmo delito for cometido, não por um jovem de um bairro pobre, mas de um jovem que provenha de um meio mais privilegiado, o seu delito já será visto como um erro de juventude ligado à crise de adolescência.
Como se verifica a toxicodependência ou o acto de roubo, é interpretado de formas diferentes consoante a origem do jovem. O tratamento por parte a polícia e da justiça não são neste caso igualitárias. As consequências, do jovem que cometa um delito, vai para uma prisão e consequentemente poderá facilmente ser inserido num meio criminoso onde poderá ser levado a cometer delitos mais grave, através de um processo de (re)ssocialização excludente.
Podemos então dizer que o processo de rotulagem, e as consequências que daí resultam variam segundo a classe social, a origem étnica, a idade e o sexo da pessoa visada, daí que a resposta ao comportamento por parte dos outros, é problemática. O facto de uma regra ser quebrada, segundo Becker, não significa que os outros o venham a rotular de desviante, as regras são normalmente aplicadas por aqueles que vêm a beneficiar directa ou indirectamente da sua aplicação, ou seja depende das circunstâncias.
Um outro caso é quando as respostas dos outros põem em causa os indivíduos ou grupos inicialmente rotulados de desviantes, neste caso a teoria da rotulagem refere, que para além de afectar a forma como os outros nos vêm, “um indivíduo uma vez etiquetado como delinquente, será considerado e tratado como tal” (DEMARTIS, 2006, p, 106) (desvio primário), também influencia a própria identidade, a ideia que o indivíduo tem de si. Lemert (1972), cit in Giddens refere, que o indivíduo acaba por aceitar o rótulo de desviante que lhe é colocado, vendo-se a si próprio como desviante, ou seja ,percepciona-se como tal (desvio secundário).
Esta situação conduz à centralização do rótulo na identidade da pessoa, podendo conduzir à continuidade ou intensificação do comportamento desviante.
A perspectiva de Giddens, é que ao ser colocado o ênfase no processo activo de rotulagem, a teoria deixa de lado os processos que são de facto definidos como desviantes, pois os diferentes processos de socialização, oportunidades, e atitudes, têm influência nos comportamentos passíveis de ser considerados desviantes.
Por outro lado, a rotulagem produz comportamentos desviantes, o comportamento desviante tende a aumentar não tanto como resultado da rotulagem, mas pelo facto de após a condenação penal, existir uma maior interacção com outros desviantes, e de conhecer outras formas ainda mais gravosas de delitos, sofrendo como já referimos um processo de (re)socialização excludente, daqui emerge uma crítica às instituições, que têm por função controlar o comportamento desviante, tais como casas de correcção , prisões, que promovem a passagem de desvio primário, a secundário, através de processos de (re)socilização. Daí que “(…) não é o desvio que suscita o controlo social, mas é o controlo social que gera o desvio” ( Lemert, cit, in. DEMARTIS, 2006, p, 107)


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

DEMARTIS, Lúcia – Compêndio de Sociologia, ( 2006), Lisboa, 1ª Ed, Edições 70, ISBN 978-972-44-1328-0, pag 102-112

DORTIER, Jean François, (2006)- Dicionário de Ciências Humanas, (2006), Lisboa, Climepsi editores, ISBN 972-796-173-8 . pag, 180

GIDDENS, Anthony (2004) – Sociologia. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, ISBN 972-31-1075-X pag 202-218

MOORE, Stephen, (2002) – Sociologia, Ed, Publicações Europa América, ISBN 972-1-0590-3 pag, 232-253

BECKER, Howard (1977)– Uma Teoria da acção Colectiva, Rio de Janeiro, Edições Zahar

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