5 de dezembro de 2007

Análise dos processos de exclusão/ghettização à luz da Escola de Chicago

O filme “A Cidade de Deus” é um retrato humanístico do resultado da falta de planeamento urbano e social de décadas, ou seja, nos anos 60, a cidade de Deus foi construída para alojar desabrigados, sendo erguida num espaço inóspito, sem infra-estruturas, luz e saneamento. Nos anos 70, esta, devido a problemas com a expansão demográfica, começou a adquirir contornos de ghetto, na medida em que quem não tinha para onde ir, quem não tinha casa era colocado nesta cidade, tendo aqui subjacente uma lógica de segregação social, uma vez que visualizamos que certos grupos (os mais pobres) são postos à distância, concedendo-lhes espaços próprios. Devido a esta segregação, a Escola de Chicago tinha como um dos seus objectivos responder a factos concretos que assolam os territórios e micro-territórios, tais como os problemas com a ghettização e o desvio, possuindo para tal uma vocação praxiológica de intervenção nos problemas sociais.
Algo que é patente neste filme é o facto da maioria dos seus membros estarem numa situação de desvinculação estrutural face ao mercado formal de emprego, próxima da designada economia de delinquência, elevada taxa de analfabetismo e um forte estigma escolar (“Você é inteligente, você vai estudar.”) e consequente abandono escolar, sendo por isso que alguns habitantes da favela defendem que são bandidos porque são “burros”, e a ausência do trabalho assalariado.
Tal como Blumer defendeu, a opinião pública é um factor reprodutor da estrutura social tão forte quanto o governo e, no filme, observamos que também o processo de etiquetagem/rótulo de Becker está bem incorporado, pois, por um lado, as imagens negativas veiculadas pelos mass media provocam um estigma (Goffman) por parte dos outros face aos habitantes da favela em geral ( sempre que algo de mau acontece na Cidade de Deus, a imprensa sempre faz manchete da notícia) e, por outro, o rótulo a eles colocados ( todos os moradores da favela são sinónimo de bandidos) faz com que os outros, aqueles que respeitam a norma estabelecida, sintam medo de lá entrarem e os excluem.
Não obstante, a Cidade de Deus evidencia que a exclusão social e económica tem
efeitos mais terríveis do que aqueles que costumamos admitir, sendo que, nesta lógica, se entende por exclusão social indivíduos ou grupos sociais que se encontram a viver à margem da sociedade e que são afastados do envolvimento do meio social, assumindo
comportamentos desviantes.
Desta forma questiona-se: Se a sociedade usufrui instrumentos de controlo, porque é que o tráfico de droga, o desvio se perpetua na favela? Tal como Becker defendeu, o desvio possui também um padrão, padrão esse que lhe confere regularidade e que explica o facto de gangs, aqui interpretados pelas personagens do Zé Pequeno e do Mané Galinha, terem consistência interna. Além disso, é na relação “in” e “out” que os comportamentos desviantes se fortalecem, dando-lhes coesão e força, isto é, a sociedade e os outsiders evoluem com os mesmos instrumentos e no mesmo sentido.
Assim, a violência na Cidade de Deus encontra-se fora de controle e qualquer motivo serve para se matar, surgindo até em grupos menores, onde se visualiza criança matando criança e o fim da inocência, ou seja, ocorre uma produção social do desvio. Esta identidade e modos de vida assentam também na “lei do mais forte”, onde quem for mais “destemido e cruel” ganha poder e respeito pelos outros, respeito esse que é facilmente usurpado, e, por isso, nesta cidade vive-se uma aparente tranquilidade onde impera a lei do silêncio(nunca ninguém sabe de nada, nunca ninguém viu nada).
Em suma, este filme é uma saga urbana que acompanha o crescimento do conjunto habitacional da Cidade de Deus pelo olhar de dois jovens que moram na comunidade: Buscapé, que sonha tornar-se fotógrafo, e Dadinho, que se tornou num dos maiores traficantes do Rio de Janeiro. Desta forma, podemos resumir a vida na favela e a história do filme numa simples frase: “Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come!!!!” , pois a marginalidade decorria da competição entre os grupos sociais.

Ana Patrícia Nunes da Costa (lsoc06060@letras.up.pt)
Diana Sofia Almeida da Silva (lsoc06027@letras.up.pt)
Helena Patrícia Castro Barros (lsoc06031@letras.up.pt)
Marta Filipa Gomes Coelho (lsoc06043@letras.up.pt)