11 de dezembro de 2007

Filme “A Cidade de Deus”

Análise dos processos de exclusão/guettização à luz da Escola de Chicago (Becker)

Podemos relacionar o filme “A Cidade de Deus”, que retrata a vida dos que vivem numa favela no Brasil (roubo, armas, violência, mortes, tráfico de droga, grupos, pobreza, miséria, “fim do mundo”), com a análise de Becker (interaccionista da segunda Escola de Chicago) sobre o desvio e label, conceitos de Goffman e Becker, respectivamente.
Os habitantes da favela vivem num território onde as pessoas apresentam comportamento desviante (guetto), estando desta forma excluídas socialmente (guettiizadas). Os seus comportamentos (todos andam armados desde criança; assaltam camiões de gás e motéis; matam pessoas em série; traficam droga e armas) são reprovados pela sociedade em geral, apresentando um comportamento que se desvia da norma e das regras aceites pela sociedade, porém, os indivíduos que apresentam comportamento desviante seguem, provavelmente, as regras e normas do grupo a que pertencem. Só é um comportamento desviante porque não segue as regras, normas e valores que são partilhados por um número significativo da população.
“O desvio não é uma qualidade do acto que uma pessoa comete mas sim uma consequência da aplicação, por parte dos outros, de regras e sanções a um «ofensor». O comportamento desviante é o comportamento que as pessoas rotulam como tal.” (Moore, 2002, p.251).
Becker analisa o desvio no seu clássico livro “The Outsiders”, através da teoria da etiquetagem e do conceito de label. “A análise de H. S. Becker contribui para destacar as consequências da etiquetagem para os desviantes: o julgamento feito sobre eles torna a sua vida quotidiana mais difícil […], o que os leva ainda mais a cometerem acções qualificadas de «anormais»” (Dortier, 2006, p.180).
“A teoria da rotulagem é importante na medida em que se baseia na presunção de que nenhum acto é intrinsecamente criminoso. As definições de criminalidade são estabelecidas pelos poderosos, pela política, tribunais e instituições correccionais, através das leis e das suas interpretações” (Giddens, 2004, 213).
“(…) para poder perceber a natureza do próprio desvio é necessário descobrir a razão por que determinadas pessoas ficam marcadas com um rótulo de «desvio»” (Giddens, 2004, p.212). Num episódio do filme, um habitante da favela foi trabalhar para um supermercado e só porque ele conhecia uns miúdos que foram a esse mesmo supermercado roubar, ele foi despedido por pensarem que ele estava envolvido no assalto. Ele sentiu-se injustiçado, estigmatizado pela sociedade devido ao seu local de residência e, dadas as circunstâncias, decide dedicar-se ao mundo do crime, pois acha que a honestidade não compensa. Isto reflecte o papel de exclusão da sociedade que muitas vezes é a responsável pelos comportamentos desviantes dos indivíduos devido à rotulagem que lhes coloca.
“A rotulagem não só afecta a forma como os outros vêem o indivíduo, como também influencia a ideia que o indivíduo tem da sua própria identidade” (Giddens, 2004, p.212). “(…) quando os actos são definidos como desviantes, os desviantes ficam estigmatizados e isolados da sociedade em geral” (Dortier, 2006, p.180). Ao se sentirem descriminados pela sociedade tendem a formar a sua subcultura, com os seus valores, normas e regras, e a isolarem-se da sociedade, o que aumenta o seu comportamento desviante.
Desta forma concluímos que o desvio não é consequência de uma vontade individual mas que é fortemente uma consequência da sociedade e da sua estigmatização e rotulagem a determinados indivíduos que vão interiorizar esse rótulo e acabar por se identificar com ele, desenvolvendo comportamentos desviantes.


BIBLIOGRAFIA

DORTIER, Jean François (2006) – Dicionário de Ciências Humanas. Lisboa: Climpsi editores. ISBN 972-796-173-8.

GIDDENS, Anthony (2004) – Sociologia. 4ª ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. ISBN 972-31-1075-X.

MOORE, Stephen (2002) – Sociologia. Ed. Publicações Europa América. ISBN 972-1-0590-3


Cristiana Isabel Marques Silva