5 de dezembro de 2007

“A cidade de Deus”

A história do filme, intitulado “Cidade de Deus”, é baseada num romance de Paulo Lins com o mesmo nome. A “Cidade de Deus” é o nome da favela onde se desenrola a história. Favela essa que fica localizada na zona oeste do Rio de Janeiro. É o cenário principal e único, aonde se passa a história, mais precisamente no complexo habitacional de Cidade de Deus. A história é retratada em três partes bem diferenciadas.
A primeira parte da história situa-se nos finais dos anos 60, e mostra os primeiros anos de existência do complexo habitacional, Cidade de Deus, local para onde vão morar Buscapé com 11 anos e seu irmão, Marreco, Dadinho entre outros. Marreco alia-se a Cabeleira e Alicate formando um grupo de bandidos, cuja especialidade é assaltar os camiões de distribuição do gás, quando fazem a entrega no local. Este grupo de bandidos é conhecido pelo Trio Ternura. Dadinho apesar de ser uma criança gosta de acompanhar o grupo e sonha um dia vir a ser um deles. Buscapé apesar de ser amigo de Dadinho não gosta da actividade de seu irmão, Marreco, e sonha com um futuro diferente na sua vida, ser fotógrafo.
A segunda parte da história situa-se nos anos 70. Buscapé, personagem principal que vai narrando a história, continua os seus estudos e ao mesmo tempo trabalha num supermercado. Tenta ascender na vida de forma honesta, fugindo do crime, o que o leva a ser “marginalizado” pelos colegas da Cidade de Deus, chamando-lhe “otário”. Dadinho tem uma postura diferente, sonhava ser bandido e envereda pelo caminho do crime, tornando-se líder de gang com fortes ambições. Quer ser traficante e começa a vender cocaína. Rapidamente torna-se um bandido perigoso e temido na Cidade de Deus, e recebe um novo apelido, Zé Pequeno, ao mesmo tempo vê crescer o seu negócio. Buscapé acaba por afirmar no filme que se o tráfico de drogas fosse legal, Zé Pequeno seria o homem do ano.
A terceira parte da história situa-nos no começo dos anos 80, e mostra a ascensão de Zé Pequeno a um dos traficantes de droga mais poderosos do Rio de Janeiro. Ele protege-se com um exército armado por crianças e adolescentes entre os 11 e os 18 anos. Mas um dia Zé Pequeno vê-se confrontado com a vingança de Mané Galinha. Este alia-se a outro traficante local, de nome Sandro Cenoura, para vingar a violação de que a sua mulher tinha sido alvo. Instala-se assim a guerra na Cidade de Deus. É no decorrer desta acção que Buscapé, que sempre sonhou ser fotógrafo, consegue a fotografia de primeira página para o jornal. Regista a guerra entre os dois grupos de bandidos, vislumbrando assim a sua oportunidade para mudar de vida.
À luz da Escola de Chicago estamos perante um exemplo de exclusão /ghettização, tal como nos diz Becker, são os “outsiders”. O grupo de bandidos da Cidade de Deus têm um padrão conflituoso e fora das normas e regras do padrão da legitimidade, tornando-os excluídos da sociedade, devido aos seus comportamentos desviantes. “A partir do momento em que os indivíduos não se integram normativamente nessa ordem, não lhes resta outro caminho que não o de evoluir para comportamentos desviantes” (Ferreira, Peixoto, 1995 p.445). Os “outsiders” têm um padrão com normas e regras entre eles mas que não são legitimados pela sociedade, por isso condena a liberdade, a autonomia, a sua reacção a outras formas de vida. Becker interessou-se pelo estudo destes comportamentos porque reagem contra a legitimidade e apresentam um projecto, uma ideia própria na sua essência, têm um projecto alternativo de vida. A interacção e a organização dos “outsiders” interessou a Becker. A carga de subjectividade do problema seria um objecto de estudo para a sociologia.
A consistência do grupo que começou com os crimes do Trio Ternura e depois se expandiu ao Zé Pequeno, ao Sandro Cenoura e seus gangs seria o objecto de estudo do sociólogo em causa. Eles fortalecem-se à medida que o padrão legitimado se fortalece, pois o desvio fortalece-se na interacção com a norma. Revemos esta situação no filme. Á medida que o grupo foi sendo atacado através das normas legitimadas, eles foram criando códigos para se defenderem e se protegerem. “…os grupos sociais dominantes produzem normas e punem aqueles que as transgridem: este processo de etiquetagem cria os delinquentes, estigmatizando-os” ( Dortier, 2006 p.127).
As organizações de grupo na favela Cidade de Deus acabou por criar uma etiquetagem, levando a generalizar todos os que lá moram. Cria-se uma imagem de rótulo levando a pensar que é uma regularidade social. A personagem Buscapé mantendo-se á margem do crime torna-se numa singularidade naquele contexto.
Para Becker a identidade dá-se antes do crime através da etiquetagem ou rotulagem. Eles são vítimas de um processo esmagador que os rotula, os estigmatiza e ajuda a configurar o desvio a que Becker chama a produção social do sentido. “Um indivíduo, uma vez etiquetado como delinquente, será considerado e tratado como tal, aumentando assim a distância com o resto da sociedade” (Demartis, 2006 p.106).

Bibliografia:

DEMARTIS, Lúcia, (2006) – Compêndio de sociologia. Lisboa: Edições 70. ISBN 978-972-44-1328-0.

DORTIER, Jean-François, coord. (2006) – Dicionário das Ciências Humanas.1ª ed. Lisboa: Climepsi Editores. ISBN 972-796-173-8.

FERREIRA, J. M. Carvalho, PEIXOTO, João, CARVALHO, Anabela Soriano, et al. (1995) – Sociologia. Lisboa: MCGRAW-HILL. ISBN 972-9241-79-1.

Filomena Maria Silva
(filomenamaria65@hotmail.com)